Novamente o fascismo

Volto à temática do ódio na esfera pública. Não que o tema seja interessante de ser discutido, mas torna-se essencial debater sobre a escalada conservadora e todo o discurso fascista que ronda nossas vidas. De certa maneira, somos todos atingidos por isso. Muitos enxergam nessa preocupação uma grande dose de exagero, afirmando que uma sociedade não retrocede em seus valores, e que ataques à democracia em pleno século XXI seriam impensáveis. Nossa república seria inabalável e madura, e os preceitos democráticos seriam, aos olhos de alguns, sempre respeitados. Tenho cá minhas razões para duvidar desse discurso, o qual mais parece aquela crença inevitável no progresso, tão cara ao século XIX.

Quando falamos em “fascismo” não estamos afirmando que Hitler voltará ou que um regime aos moldes do nazismo será implantado. Quando abordamos esse fascismo que nos ronda, estamos pensando em um discurso que nega o outro, buscando silenciá-lo e eliminá-lo da cena política, mas, infelizmente, da própria esfera pública. Pautado em boatos e mentiras, os neofascistas perseguem aqueles que são considerados seus “inimigos” – na verdade, são aqueles que possuem valores diferentes. Tenho percebido que as redes sociais transformaram-se em grandes difusores desses boatos, os quais de tanto serem repetidos, tornam-se verdadeiros. Esses mesmos discursos tornam-se o argumento que sustenta a ação fascista. Ação essa desprovida de crítica e reflexão, apenas pautada pela raiva e pelo ódio. Mas o fascista acredita que age assim porque está cumprindo um dever cívico. É um ato patriótico contra o mal, contra aqueles que ameaçam os bons valores. Para eles, seu ódio nada mais é do que a expressão verdadeira e justa contra um sistema “podre”, “corrupto” e “desmoralizado”, mas também contra “ladrões” e “bandidos”. O fascista inverte toda a lógica ao afirmar que sua ação está guiada pela defesa da democracia e dos bons valores, enquanto comunistas e toda a esquerda buscariam impor a censura e um sistema totalitário. Pode parecer meio catastrófico, mas uma rápida passagem em vários grupos nas redes sociais ou mesmo em conversas com aquela parcela mais conservadora da sua família, podem demonstrar o que estou falando. Tente argumentar sobre aborto, cotas sociais e raciais, ciclovias ou problematizar as críticas destinadas ao atual governo. O Partido dos Trabalhadores, fundado por intelectuais de diferentes correntes ideológicas, sindicalistas e trabalhadores, sofre um ataque de grandes proporções. Ao que pese os erros de vários de seus dirigentes, para o fascista, todo o partido é corrupto e todos aqueles que o seguem seriam criminosos ou cúmplices de uma prática ilícita.
Práticas e discursos progressistas são vistos como uma ação “comunista” e, por tanto, passível de ser perseguida. Tentar combater o machismo, a homofobia e a exclusão social tornou-se papo de “esquerdinhas” que querem impor na surdina um “marxismo cultural”. Em que ano estamos?

Às vezes me questiono se não estou exagerando. Mas quando sou chamado de “professor comunista” por um aluno após falar em democracia em sala, creio que as coisas não estão bem. Pode parecer bobagem, mas esse aluno deve ouvir muita coisa em casa, acessar várias “notícias” compartilhadas no Facebook e no WhatsApp. Matérias exageradas de sites nada confiáveis. Áudios de falsos militares falando que a guerra civil se aproxima e que militantes de esquerda estão se armando. Fotomontagens que diminuem a imagem de sujeitos políticos, imagens da presidenta em um vaso sanitário ou adesivos com a mesma de pernas abertas. E tudo com o silêncio ou o apoio de partidos da oposição. Não seria o caso desses mesmos partidos combaterem essas práticas fascistas e todo o ódio que acaba por estimular mais ódio? Mas, infelizmente, isso não parece interessar à oposição. Muitos parlamentares tornaram-se eles próprios agentes dessa difusão. E por partirem de determinados nomes, o boato ou o ataque ganham ares de verdade ou ainda mais força. O agente do discurso confere legitimidade à ação.

Claro que toda essa ação encontra sua razão de ser nas eleições de 2018 e no projeto social implantado pelo governo do PT. Os setores da elite nunca toleraram a ascensão social dos mais pobres e o fato de um ex-operário e uma ex-guerrilheira terem se tornado presidentes. Encontraram em uma fragilidade econômica e em casos de corrupção – e para eles pouco importa se já foram julgados, se envolvem petistas a condenação já está dada -, parte de sua razão. Para esses, petistas e o PT afundaram o país e lançaram o Brasil em uma situação de ingovernabilidade. Experimente dizer que não é exatamente assim, que a situação econômica não é tão catastrófica, que os índices sociais são muito melhores do que foram no passado e que dramas como a inflação incontrolável ou o desemprego em massa são coisas do passado. Experimente problematizar todas as críticas que são feitas ao governo e ao PT e afirmar que suas ações nada tem de “comunizantes”, mas, pelo contrário, estariam, em alguns casos, mais guiadas por valores neoliberais.

Obviamente esses fascistas são uma minoria na sociedade. Mas aquilo que produzem e o que falam ecoam para parcelas significativas. O indivíduo pode não desejar a eliminação de comunistas, mas acredita que discussões sobre o machismo não deveriam ser discutidos no ENEM e que existe uma “doutrinação ideológica” nas escolas. Pode não querer dar porradas em petistas, mas acha que a “ideologia de gênero” é um assunto que vai destruir as famílias e impor uma bissexualidade a todos. Esse mesmo grupo não vai achar estranho que uma câmara de vereadores de uma grande cidade aprove uma nota de repúdio ao governo e ao “pensamento” de Simone de Beauvoir por uma simples questão do ENEM.

Precisamos reagir. Precisamos enfrentar esse fascismo que nos ronda. Não podemos nos calar, como acreditam alguns. Fascistas, não passarão!

A entrevista no SBT mostrou por que Lula é tão temido. Por Paulo Nogueira

Você pode não gostar de Lula. Pode detestar. Pode abominar. Mas você vê uma entrevista como a que ele concedeu ontem ao jornalista Kennedy Alencar, no SBT, e logo entende por que os caras têm tanto medo dele. Imagine Lula, numa eventual campanha em 2018, debatendo com Aécio. Ou com Serra. Ou com Alckmin. Ou com quem quer que seja. É concorrência desleal. É profissional versus mirins. O tempo deixou claro que desde Lacerda os brasileiros não viam um talento tão notável em oratória. Com a diferença de que Lacerda falava a língua da classe média, e Lula fala a língua do povo. Lula é um natural, para usar uma expressão inglesa. Nasceu orador. O resto foi consequência, da carreira sindical à presidência. Ele fala com graça, com verve, com espírito. E, talvez o maior de seus atributos retóricos, transmite sinceridade. Tudo isso se viu na entrevista de ontem. A forma como ele referiu às invencionices contra seu filho Lulinha faz você rir e refletir. Ele disse que Lulinha é dono da Casa Branca e da Torre Eiffel. Só com muito mau humor para não deixar escapar uma risada. As referências a FHC foram também um dos pontos altos da entrevista. Primeiro, na questão de fundo: a inveja que FHC parece ter de Lula. Com o correr dos dias, FHC foi diminuindo do ponto de vista histórico e Lula aumentando. Hoje é claro que FHC governou para os ricos, para a plutocracia. E Lula para os excluídos. É justo, num país tão desigual, que Lula seja por isso tão maior que FHC. Lula deu também uma resposta definitiva a FHC na questão da corrupção. Toda vez que ele falar em corrupção tem que pensar na emenda que permitiu sua reeleição. O Congresso foi comprado com dinheiro vivo, embalado em malas, para que FHC pudesse ter um segundo mandato. Na questão da Petrobras Lula deixou escapar uma estocada sutil mas doída na imprensa. Disse que jamais a nossa gloriosa imprensa o avisou de corrupção na Petrobras. É verdade. Nunca jornais e revistas fizeram nada no campo investigativo sobre a Petrobras. É uma mídia viciada em vazamentos, em receber tudo no colo e depois gritar como se estivesse fazendo um outro Watergate. Na entrevista, Lula mostrou também um bom senso que vem faltando a quase todo mundo. Ficar falando em eleições três anos antes é uma insensatez. É conhecida a grande frase de Keynes: “A longo prazo estaremos todos mortos”. Há um tempo para cuidar de eleições, e não é este de agora. Há problemas presentes que devem ser enfrentados antes de nos debruçarmos sobre 2018. Temos na presidência da Câmara, por exemplo, um embaraço monstruoso, Eduardo Cunha. E temos também uma imprensa que se bate até contra o direito de resposta, uma coisa sagrada em qualquer democracia. Há hora para tudo. Por enquanto, o que se viu, ontem, é que não é à toa que os caras temem tanto Lula. Quem não temeria se estivesse no lugar deles?

Fonte: A entrevista no SBT mostrou por que Lula é tão temido. Por Paulo Nogueira

Camille Claudel: a quem serve a normalidade?

Blog da Boitempo

daniela lima blog camille claudelPor Daniela Lima.

Não há civilização sem loucura […] ela acompanha a humanidade por todo lugar que haja imposição de limites”.
– Michel Foucault

Eles surgiram de botas e capacetes. A porta arrombada. A matilha em peso a agarrou pela garganta. Golpeada, jogada no chão. Ela não diz uma palavra. […] Lá fora a ambulância espera. 10 de março de 1913. Os dois cavalos relincham sob o chicote. (DELBBÉ, 1988, p. 366-7)

“Censuraram-me (ó, crime horrendo) por ter vivido completamente sozinha”, escreve Camille Claudel do manicômio de Montdevergues. Camille rompeu com alguns destinos impostos às mulheres de sua época como naturais. Não se casou, não teve filhos e se dedicou a uma atividade considerada masculina: a escultura. Até 1897, mulheres eram excluídas das principais escolas de artes francesas, como a École de Beaux-Arts. Trabalhavam como ajudantes ou assistentes de artistas e não podiam assinar as obras…

Ver o post original 1.832 mais palavras